Regulação dos Esports em Portugal - Os últimos 5 anos e recentes movimentações políticas

Institucional

Jul 30, 2024

[Nota de Editor: A FTW Esports está afiliada tanto à FPDE como à FEPODELE, sendo inclusive membro fundador da FEPODELE. As possíveis opiniões transmitidas no artigo são da exclusiva responsabilidade do autor.]

O interesse dos políticos em Gaming e Esports não é recente, temos exemplos como André Pinotes Batista (Deputado do PS) e Vitorino Silva - Tino de Rans (candidato presidencial do RiR) a terem feito ligações com a comunidade de videojogos em 2021 e 2022, e inclusive uma audiência parlamentar em 2019.

Em 2019, o Grupo de Trabalho Desporto da Assembleia da República, composto por PSD, PS, BE e PCP, recebeu em audiência a FEPODELE, que foi representada por Bruno "oBalazio" Rodrigues (atleta de esports), Maria João Andrade (psicóloga e responsável do GASPD da FEPODELE à altura) e Rui Alexandre Jesus (presidente da assembleia geral da FEPODELE à data).

Tino de Rans apareceu em janeiro de 2021 numa fotografia equipado com material gamer, durante a campanha à Presidência da República onde foi candidato pelo partido RiR, e posteriormente essa mesma fotografia foi amplificada com o próprio CEO da marca a vir para as redes sociais comentar. Depois disso, Tino entrou na Twitch onde criou um canal.


Fotografia: Vitorino Silva / Reprodução

Já André Pinotes Batista revela que desde muito novo que joga e é fã de videojogos e em 2021 começou a ter uma presença mais pública no Twitter onde comentou assuntos ligados ao League of Legends nacional e internacional, onde inclusive se tornou viral. Depois de algumas interações enquanto adepto, o deputado do Partido Socialista lançou em dezembro de 2021, em véspera de eleições legislativas, um tweet onde pedia à comunidade de esports que se juntasse ao movimento "#PensarESports" no sentido de "participar no desenho do seu [esports] futuro em Portugal?". Foram várias as pessoas a responder ao tweet, no entanto, depois disso pouco mais saiu a público sobre o mesmo.

Certo é que para as eleições legislativas de 2022, nenhum programa eleitoral fazia menção a Esports, no entanto, o programa do Partido Socialista tinha uma breve menção a gaming: "Promover a programação de jogos eletrónicos (gaming) que, de forma lúdica, difundam o conhecimento dos direitos fundamentais e a adesão a valores de cidadania por parte dos mais novos.".

A 7 de Junho de 2022, com o Partido Socialista no Governo, Rui Jesus (Presidente da AG da FEPODELE) e Ramiro Teodósio (CEO da For The Win) foram recebidos no Conselho de Ministros, precisamente para se discutir o tema, no entanto, durante a legislatura não houve qualquer desenvolvimento público sobre o mesmo.

Em 2024, por ocasião das eleições legislativas antecipadas, o panorama mudou ligeiramente.

Rui Rocha, Presidente IL, visita stand da FTW na LGW 2023
Rui Rocha, Presidente da IL, visitou a Lisboa Games Week 2023

Em Fevereiro a Iniciativa Liberal anunciou o seu programa eleitoral para as Legislativas de 2024 e, pela primeira vez, as palavras "desporto eletrónico" estavam presentes num programa de um partido candidato às eleições legislativas. Depois disso o partido congratulou ainda a primeira equipa portuguesa a aceder a um major de CS e, através do seu núcleo de Oeiras, organizou uma Talk sobre Esports com algumas figuras do meio.

Esta inclusão do esports no programa eleitoral, onde o título da medida era "Procurar reconhecer os esports como desporto em Portugal", foi o primeiro passo mais concreto que houve por parte de partidos políticos, no entanto, entretanto houve mais desenvolvimentos no assunto.

O fim de Junho e início de Julho esteve repleto de ações por parte do ramo legislativo no que toca a esports, tendo três das quatro principais forças políticas tomado ações através dos seus grupos parlamentares em relação a Esports:

  • A 28 de Junho o grupo parlamentar do Partido Social Democrata teve uma audiência com a Federação Portuguesa de Desporto Eletrónico
  • A 28 de Junho o grupo parlamentar do Partido Socialista anunciou a conferência parlamentar "#PensarEsports", organizada em conjunto com a FPDE, que decorreu no dia 2 de julho e onde alguns membros reconhecidos da área do desporto e dos esports estiveram presentes.
  • A 2 de Julho o grupo parlamentar da Iniciativa Liberal deu entrada na mesa da Assembleia da República do Projeto de Lei 198/XVI/1 intitulado "Lei do Esports"

Audiência com o Partido Social Democrata

Embora pouco se saiba sobre a audiência e não tenha tido ampla divulgação nas redes sociais, a Federação Portuguesa de Desporto Eletrónico (FPDE) foi recebida em audiência pelo PSD. Os deputados do PSD presentes foram Alexandre Poço (Vice-Presidente do Grupo Parlamentar), Ricardo Araújo (Coordenador da Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto) e Paulo Cavaleiro (membro da Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto). Em representação da FPDE esteve presente Pedro Honório da Silva.


Fotografia: João Pedro Domingos / Grupo Parlamentar Partido Social Democrata

Conferência Parlamentar do PS "#PensarEsports"

No dia 2 de julho o Grupo Parlamentar Partido Socialista organizou em plena Assembleia da República uma Conferência Parlamentar intitulada  "#PensarEsports: Debater, Evoluir, Regular", onde o partido se propunha a ouvir as diversas opiniões de pessoas da área do desporto, direito desportivo e da comunidade de esports de uma forma geral por forma discutir o tema da regulamentação do setor.

Já na altura do anúncio da conferência parlamentar o GP do PS indicava que ia "avançar com uma proposta de regulamentação do setor dos eSports em Portugal. por forma a criar um quadro jurídico sólido e adaptado às especificidades da indústria emergente", no entanto, no fim da mesma a conclusão era certeira e direta: A regulamentação dos Esports em Portugal tem de avançar.

A conferência parlamentar foi liderada pelos deputados Miguel Costa Matos (Vice-Presidente do Grupo Parlamentar do PS e membro da Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto) e por André Pinotes Batista (Secretário Nacional do PS), tendo o primeiro em declarações à Lusa indicado que o objetivo era "ouvir toda a comunidade no sentido de percebermos como podemos dar mais segurança, mais regulamentação a esta atividade para que ela possa continuar a desenvolver-se, mas de uma maneira que seja socialmente justa".


Fotografia: Grupo Parlamentar Partido Socialista

Na conferência estiveram também presentes Mara Lagriminha, deputada do PS e Coordenadora do grupo parlamentar na Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, e Edite Estrela, Presidente da mesma Comissão que esteve presente apenas na abertura por motivos de incompatibilidade de agenda.

A conferência contou inicialmente com os seguintes painéis:

  • Políticas Públicas e Direito Desportivo
    • José Manuel Meirim - Professor de Direito no Desporto da UCP
    • Vitor Pataco - Presidente do IPDJ
    • Fernando da Veiga Gomes - Advogado e Presidente da Mesa da Assembleia Geral da FPDE
  • Participação escolar dos atletas de esports
    • Prof. Dr. Tiago Ribeiro - Investigador, Co-coordenador da área de desportos eletrónicos na FMH
    • Filinto Lima - Presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas
  • Prevenção e promoção de saúde
    • Dr. Filipe Cymbron - Diretor Clínico da FPDE
    • Joana Cardoso - Professora Assistente na ESS Porto e Investigadora da FCT
  • Cultura, história e oportunidades económicas
    • Pedro Gandum - Brand Activation na Worten
    • Pedro Honório da Silva - Presidente da FPDE
  • Enquadramento fiscal e laboral justo e competitivo
    • Carlos Lobo - Professor de Direito Fiscal da FDUL
    • João Leitão Figueiredo - Advogado na CMS Advogados

Nestes painéis foram discutidas diversas questões importantes, tendo estado em vários deles presentes figura ligadas ao desporto e aos respetivos organismos públicos que deram a sua perspetiva sobre a situação do setor, o enquadramento que o mesmo deveria ter legalmente bem como se faria sentido ser equiparado a desporto ou não.

No entanto houve um painel que se destacou pela negativa, o da participação escolar, com Filinto Lima da ANDAEP a ter de ser chamado à atenção diversas vezes pelo moderador depois de abordar temas totalmente não relacionados com o tópico em questão e de oferecer poucos ou nenhuns contributos para o mesmo, tendo-se focado quase que exclusivamente na questão dos telemóveis em contexto escolar.


Fotografia: RTP Arena

Depois disso seguiu-se a audição pública à comunidade de esports, onde foram ouvidas diversas personalidades da área, desde atletas, diretores de clubes e meios de comunicação. Ao todo, ao longo das 6 horas de conferência, foram ouvidas 43 pessoas com diferentes experiências e de diferentes áreas relacionadas com os esports e o desporto.

Embora com vozes opostas no que toca a se os Esports devem ter o mesmo enquadramento dos desportos tradicionais/cinéticos, foi unânime que os mesmos necessitam de um enquadramento legal, com André Pinotes Batista a rematar no final da conferência: "A regulamentação é necessária porque no vazio legislativo dá para todos os abusos, dá para todos os desrespeitos, perdem-se oportunidades e o ecossistema não prospera".

Presente a assistir à conferência esteve também o Livre.

Projeto Lei "Lei dos Esports" - Iniciativa Liberal

Leitura completa do Projeto Lei

A Iniciativa Liberal, quarto partido mais representado no Parlamento, deu, no passado dia 02 de julho, entrada do Projeto (PL) Lei 198/XVI/1, intitulado "Lei dos Esports", na mesa da Assembleia da República, o qual foi posteriormente admitido no dia seguinte e atribuído à "Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto".

Na introdução do diploma a IL destaca que "Os esports têm cada vez mais adeptos em Portugal, mas não se encontram atualmente previstos em lei. Esta ausência de enquadramento legal tem levantado obstáculos aos seus praticantes junto do Estado e de outras entidades.". Fazendo depois referência à resolução do Parlamento Europeu de novembro de 2022 que, embora considere desporto eletrónico e desporto setores distintos, os coloca em par de igualdade nos valores que transmitem. No mesmo diploma, o PE instou os Estados-Membro a criar um visto associado ao desporto eletrónico.

Depois disso são referidos vários exemplos de legislações de outros países, como é o caso da Lei Francesa "Loi pour une République numérique" promulgada em 2016, onde os praticantes de desportos eletrónicos e as respetivas competições passaram a ser reconhecidas legalmente, que serviu de base para o PL da IL.


Fotografia: Rui Morais de Sousa / Assembleia da República

O Projeto Lei propõe-se então a alterar uma lei e dois decretos leis por forma a reconhecer os esports e legalizar os mesmos em três frentes:

  • Entrada e permanência temporária de estrangeiros praticantes da modalidade em território nacional
  • Enquadramento legal das apostas em desportos eletrónicos
  • Enquadramento legal dos esports para efeitos de obtenção de estatuto de "utilidade pública desportiva" por parte das federações

O diploma consiste, basicamente, nas seguintes propostas de alterações legislativas:

Artigo 54º da Lei n.º 23/2007

O ponto 1 do artigo 54º da Lei n.º 23/2007 trata o "Visto de estada temporária", que define as circunstâncias em que se pode entrar e permanecer no país por um período inferior a um ano. Na sua redação atual, a lei já prevê diversos casos em que isto é permitido, desde situações relacionadas com a saúde, educação ou exercício de certas atividades profissionais. Um destes casos é a alínea "e) Exercício em território nacional de uma atividade desportiva amadora, certificada pela respetiva federação, desde que o clube ou associação desportiva se responsabilize pelo alojamento e cuidados de saúde;".

A proposta de alteração legislativa da IL a este artigo passa pela introdução de uma nova alínea para os praticantes de desportos eletrónicos, lendo-se: "l) Exercício em território nacional de atividade profissional de desportos eletrónicos.".

Alteração ao Decreto-Lei n.º 66/2015

O Decreto-Lei (DL) nº 66/2015 incide sobre os jogos e apostas online, sendo o documento que aprova o Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online (RJO). De entre os vários artigos presentes, a proposta da IL incide apenas sobre um artigo em concreto, o 5º, que define as "Categorias e tipos de jogos e apostas online autorizados".

A proposta pretende a introdução de uma nova alínea que faz a equiparação das apostas em desportos eletrónicos com as apostas em desporto tradicional. Lendo-se então na proposta: "12 (novo) - Para efeitos do disposto no n.º 5 do presente artigo, as competições de desportos eletrónicos consideram-se equiparadas a competições desportivas.”.

Sendo que o nº 5 do artigo 5º indica que "5 - As apostas desportivas à cota e as apostas hípicas, mútuas e à cota, apenas podem incidir, respetivamente, sobre as modalidades, competições e provas desportivas e sobre as competições e corridas de cavalos constantes de lista elaborada e aprovada pela entidade de controlo, inspeção e regulação. ".

Resumo

Ao equiparar as competições de esports ás competições desportivas, o legislador abre a possibilidade a que os casinos devidamente legalizados em Portugal possam passar a ter apostas em competições de esports, no entanto, apenas em competições previamente aprovadas pela entidade reguladora. Neste caso a entidade reguladora é o SRIJ - Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos, integrado no Instituto do Turismo de Portugal, que por sua vez é tutelado pelo Ministério da Economia e do Mar.

Neste momento existem 12 sites online licenciados para a exploração de apostas desportivas à cota.

A abertura desta vertente aos desportos eletrónicos irá representar um incremento na fiscalização das competições e partidas em que forem permitidas apostas, no entanto, adiciona também potenciais novas fontes de receita para os organizadores de torneios, clubes e jogadores, uma vez que estes teriam acesso a revenue share das apostas, como acontece no futebol.

Alteração ao Decreto-Lei n.º 248-B/2008

O Decreto-Lei nº. 248-B/2008 é o documento que estabelece o regime jurídico das federações desportivas e as condições de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva.

O estatuto de utilidade pública desportiva é um reconhecimento oficial por parte do Estado português a entidades que cumprem determinados critérios na promoção do desporto. Este estatuto é atribuído a federações, entidades sob a forma de associações sem fins lucrativos que englobam clubes, sociedades desportivas, associações territoriais, ligas profissionais, praticantes, técnicos, juízes, árbitros e demais entidades que promovam, pratiquem ou contribuam para o desenvolvimento de uma ou várias modalidades. Ao obterem este estatuto as federações podem posteriormente, entre outras coisas, obter apoios estatais, financeiros e técnicos, e benefícios fiscais.


Fotografia: Carlos Pombo / Assembleia da República

Resumo do Projeto Lei

O projeto lei tem os seguintes principais objetivos e alterações à lei anteriormente mencionadas vão ao encontro disso:

  1. Criação da figura da competição de desportos eletrónicos e da figura do jogador profissional de desportos eletrónicos.
  2. Criação do visto de estada temporária para jogadores profissionais de desportos eletrónicos.
  3. Equiparação das competições de desportos eletrónicos a competições desportivas, no que diz respeito a jogos e apostas online.
  4. Possibilidade de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva a entidade federativa de desportos eletrónicos, mediante verificação de relevante interesse desportivo nacional.
  5. Regulamentação das condições de realização de competições de desportos eletrónicos, no prazo máximo de 1 ano após a entrada em vigor da lei, no sentido de garantir a salvaguarda de participantes menores de idade, regulamentar os prémios de jogo, salvaguarda da ética e integridade desportiva.

O processo até à aprovação ou rejeição

Embora o primeiro passo oficial para a regulamentação tenha sido tomado, ainda existe um longo caminho a percorrer para que o mesmo seja votado e aprovado ou rejeitado.

A primeira e segunda etapa do processo legislativo já foram ultrapassados, o projeto lei deu entrada na mesa (1ª etapa) da Assembleia da República no dia 02 de julho e foi admitido (2ª etapa) pelo presidente da AR no dia seguinte.

Agora o diploma segue para a comissão especializada - Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto - onde será discutido e um parecer será emitido (3ª etapa), podendo dai resultar alterações à lei. Depois disso, o diploma segue para o plenário onde é discutido e votado na generalidade (linhas gerais da iniciativa) [4ª etapa], sendo que o Projeto Lei pode terminar logo aqui caso seja rejeitado.

Caso seja aprovado na generalidade, o diploma segue então para debate e votação na especialidade (5ª etapa), ou seja, artigo a artigo, podendo este debate ter lugar em Plenário (todos os deputados presentes) ou na comissão especializada. Se o debate e votação na especialidade tiver lugar na comissão e não no Plenário, podem ser feitas propostas de alteração à lei.

Posteriormente o PL é submetido a votação final no Plenário (6ª etapa). O texto do diploma submetido a votação final não é necessariamente igual ao original, podendo sofrer alterações no decorrer das etapas anteriormente referidas. A iniciativa aprovada (Decreto da Assembleia da República) é assinada pelo Presidente da Assembleia da República, é então enviado ao Presidente da República para promulgação (7ª e 8ª etapa), podendo o mesmo exercer o seu direito de veto por razões constitucionais (requerendo revisão e parecer do Tribunal Constitucional) ou por razões políticas com devida fundamentação.

Em caso de promulgação, o decreto assume então a designação de Lei e é enviado ao Governo para receber a assinatura do Primeiro Ministro e ser então publicado na 1ª série do Diário da República.

Artigo escrito por: Marcelo Silva

Autores:  Redação
Categorias: Institucional

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